terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Revés judicial deve transformar inédito casamento gay em protesto na Argentina

Um revés na Justiça argentina pode ter arruinado os planos dos argentinos Alex Freyre, 39, e José María di Bello, 41, de realizar nesta terça-feira, Dia Mundial da Luta contra a Aids, aquele que pretendia o primeiro casamento gay da América Latina. De acordo com os jornais argentinos, deverá ser cumprida a ordem de uma juíza federal que mandou suspender a decisão de uma juíza portenha permitindo a cerimônia.

O jornal "La Nación" conversou com o subsecretário de Justiça de Buenos Aires, Daniel Presti, segundo quem a prefeitura deverá enviar a disputa de jurisdição sobre o caso para a Corte Suprema.

Enrique García Medina/Efe

Freyre (à dir.) e Di Bello comemoram decisão judicial que permitiria seu casamento amanhã
"Esta medida só poderá adiar o matrimônio, mas de forma alguma irá impedi-lo. Estamos convencidos de que a Corte Suprema de Justiça falará de acordo com o direito", afirmou, em comunicado, María Rachid, presidente da Federação Argentina LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros), à qual pertencem os noivos. "Pode ser que não se casem amanhã [hoje], mas o farão em um futuro próximo."

No último dia 12, a juíza portenha Gabriela Seijas decidiu em favor do pedido de autorização para casamento feito por Freyre e Di Bello, que mantêm um relacionamento estável há quatro anos. No texto, Seijas defendia que os dois artigos do Código Civil argentino que vetam o casamento entre pessoas do mesmo sexo eram inconstitucionais. A magistrada fundamentou a decisão na chamada "doutrina da categoria suspeita", adotada pela Corte Suprema, segundo a qual quando uma norma afasta um grupo de um benefício neste caso, afasta gays do casamento--, há suspeita de inconstitucionalidade.

"Não é possível saber o que acontecerá com o matrimônio perante as mudanças que se aproximam. Mas é possível prever que a inclusão de minorias sexuais em seu escopo o permitirá ser fonte de novas curas para as velhas enfermidades sociais, como o medo, o ódio e a discriminação", afirma a juíza após comparar a questão, por exemplo, a leis da Alemanha nazista que vetavam o casamento entre judeus e alemães.

O prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri, uma das partes que poderiam apelar da decisão, ao lado do casal e da promotoria, foi a público defender a decisão e afirmou, em um vídeo postado em seu canal no YouTube, que não contestaria o casamento, que chamou de "um passo adiante". "É preciso aprender a viver em liberdade sem ferir os direitos dos outros. [...] Temos que aceitar essa realidade e que o mundo vai nessa direção", afirmou o prefeito.

O caso provocou uma reação imediata dos setores católicos da sociedade portenha. Em nota assinada pelo decano Gabriel Limodio, a Universidade Católica Argentina (UCA) acusou a sentença de negligenciar "as mais elementares normas constitucionais" e de avançar sobre o Código Civil, "peça medular da nossa ordem jurídica com quase 140 anos de vigência". Acusou Macri de "ligeireza", ao rejeitar interpor um recurso e, assim, "evitar que uma questão de direito substantivo seja debatida pelos tribunais competentes".

A Corporação de Advogados Católicos foi ainda mais dura em suas críticas ao prefeito, a quem acusou de atacar a "ordem natural que inspirou nossos constituintes e que consagra que só podem contrair matrimônio um homem e uma mulher, e não pessoas do mesmo sexo".

"Em relação ao argumento [...] sobre o sentido pelo qual o mundo se encaminha, para a desnaturalização do matrimônio tal como é conhecido há milênios, é preciso assinalar que se trata de um verdadeiro sofisma facilmente refutável. De fato, se observam hoje outras tendências lesivas da ordem natural, como a crescente desintegração da família, a difusão da drogadicção, o incremento do terrorismo, a pratica criminosa do aborto e a eutanásia, etc. Com o enfoque do prefeito de Buenos Aires, em vez de lutar para que o mundo volte ao curso da ordem natural, deveríamos nos render ante essas correntes regressivas, destruidoras da civilização", afirma a corporação.

E então, na noite desta segunda-feira, véspera da cerimônia, a juíza Marta Gomez Alsina acatou um recurso contra a decisão interposto por dois cidadãos que não participam do processo original. Ela decidiu suspender a cerimônia temporariamente e deu prazos para que a prefeitura e o casal apresentem seus argumentos.

Conforme o jornal "Clarin", em sua sentença, Alsina pede que a suspensão não seja encarada "como um adiantamento de opinião sobre o mérito do assunto nem discriminação alguma contra a convivência estável de pessoas homossexuais, o que pertence à esfera da intimidade de cada um [...] e a quem a legislação portenha confere a opção de celebrar a união civil".

O jornalista argentino Bruno Bimbi, que milita ao lado de Freyre e Di Bello na Federação LGBT e diz ter colaborado na redação do pedido de autorização de casamento enviado pelo casal a Justiça, afirma que não apenas a juíza Alsina não poderia opinar sobre a questão como o fez tardiamente, porque o prazo para recorrer da sentença já estava esgotado e, por isso, ela já estava transitada em julgado.

"Não tem nenhuma razão que possa justificar que uma mesma instituição que tenha mesmos fins e função tenha nome diferente dependendo da orientação sexual, da cor da pele, da religião, da nacionalidade, tanto faz. [...] A gente tem que chamar as coisas pelo nome", defende.

O argumento é similar ao usado pela UCA para dizer justamente o contrário. Em sua nota, o decano da universidade destaca que não quer "menosprezar nenhuma minoria, mas sim de chamar as coisas pelo nome e defender a dignidade e finalidade próprias do matrimônio com vinculo unitivo, estável e aberto a vida que existe entre a mulher e o homem". "A discriminação injusta é tratar de forma desigual aos iguais e também de forma igual aos desiguais."

Na sua nota, a Federação LGBT afirmou que a convocação para o casamento continua de pé e que, caso ele realmente não seja realizado, usará a presença dos apoiadores e de autoridades da causa para transformar tudo em protesto. "Toda a sociedade está convidada para acompanhar esse momento decisivo para a ampliação do direito de todos e todas", completou.

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